A mesa de abertura da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) trouxe o poeta Armando Freitas Filho e o cineasta que o filmou por sete anos, Walter Carvalho. Eles falaram das similaridades e especificidades de suas artes e abriram para o público uma relação de amizade que se fortaleceu ao longo das filmagens do filme Manter a linha da cordilheira sem o desmaio da planície, em que Carvalho investiga de onde nascem os poemas de Freitas Filho.
A primeira vez em que abri um livro do Armando, li um poema que dizia assim: uma gaivota passa riscada a lápis. Não sabia se estava diante de um poema ou diante de uma imagem, lembra o cineasta, que conta que tinha muita curiosidade sobre como vive um poeta: vocês andam de ônibus? Pegam Táxi? Vão ao banco?
O poeta Freitas Filho, que foi um dos maiores amigos e é curador da obra de Ana Cristina Cesar – a autora homenageada desta edição da Flip –, brincou ao falar da relação com o diretor de cinema e disse que ninguém nunca olhou para ele por tanto tempo. Não só ele olhou pra mim. Eu também não tirei os olhos dele. Ficamos apaixonados, disse, arrancando risadas da plateia. [O Armando do filme] não é exatamente uma invenção dele, mas é uma criação dele sobre o que ele acha de mim e, principalmente, sobre o que ele sente por mim.
Em uma carreira que começou na década de 60, Armando tem 53 anos de poesia e conta que sua arte tem influência do cineasta francês Jean Luc Godard. Cada gênero de arte tem a mesma origem: descobrir o que ninguém falou daquela maneira. O poeta procura um modo de falar e dizer novo ou, pelo menos, inesperado, disse Freitas Filho.
Homenageada
O diretor de cinema e fotógrafo Walter Carvalho lembrou um trabalho feito há 20 anos em que transita por objetos da homenageada da Flip, Ana Cristina Cesar, que chegaram a ele em uma sacola de plástico, entregue pela família.
Colocamos todos os objetos em uma mesa e, em duas tardes com a câmera, fomos tentando encontrar as conexões daqueles objetos e tentando entender a poeta Ana Cristina através daqueles objetos.
O poeta Freitas Filho contou que conheceu a amiga quando ela ainda tinha 20 anos e que a relação entre os dois sempre foi marcada por brigas. Ela provocava você para falar, para contar, para ouvir. Era uma mulher que ouvia muito o que você falava. E isso era forte e até incômodo. Não é à toa que nesses sete anos de profunda amizade a gente brigou muito, porque tudo era um problema pra ser resolvido, recorda.
Armando Freitas Filho é o curador da obra de Ana Cristina Cesar a pedido de sua família, desde que a autora morreu, em 1983. A poetisa é uma das principais representantes da poesia marginal brasileira da década de 1970, quando os autores editavam e distribuíam suas obras de forma caseira em uma época marcada pela repressão da Ditadura Militar.
Crise
Antes das discussões iniciais, o diretor da Flip, Mauro Munhoz destacou que a festa literária tem uma tarefa difícil em tempos de ânimos tão acirrados e polarizados e que cultiva a ideia de escutar o outro.
O curador da exposição, Paulo Werneck destacou que 2016 tem sido um ano difícil para o mercado editorial, com o fechamento de editoras que, inclusive, tiveram autores convidados para a Flip. Na visão dele, no entanto, o esforço de tocar a festa mostra a força da cultura. Temos novos autores se estabelecendo na nossa literatura apesar de todas as descontinuidades e de todas as crises. – BRASIL EM FOLHAS COM AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS – I3D 12669