Você já deve ter ouvido falar de pedidos de socorro enviado por trabalhadores de grife famosa por meio de bilhetes pregados em roupas; e de bolivianos ganhando R$ 5 para produzirem peças que serão vendidas por mais de R$ 500. Mas já parou para pensar que pode estar consumindo alimentos plantados e colhidos por pessoas que não recebem nenhum centavo para isso? Neste momento, os consumidores podem ter na mesa algo vindo de uma fazenda localizada em São Vicente de Minas, no Sul do Estado, onde cerca de 150 pessoas moram e plantam frutas como limão, laranja e maracujá, aparentemente sem receber salário. Há indícios de que a produção seja comercializada para unidades da CeasaMinas.
As investigações ainda estão em curso e há indícios de mais fazendas no Sul de Minas e outras regiões, além do Estado da Bahia, com trabalhadores em condições análogas à escravidão.
De acordo com o coordenador do grupo de combate ao trabalho análogo à escravidão da Superintendência Regional do Trabalho (SRT-MG), Marcelo Campos, um membro da associação de produtores da fazenda investigada já teria informado que a produção é vendida a restaurantes, supermercados e centrais de abastecimento. “Durante a fiscalização na última terça-feira, esse representante nos disse que as frutas são vendidas para supermercados no Sul de Minas e para a Ceasa de Belo Horizonte e de Juiz de Fora”, afirmou.
Os documentos que podem comprovar se há remuneração e cumprimento dos direitos trabalhistas foram solicitados e devem ser apresentados ainda nesta quinta-feira (8) aos auditores da SRT. O volume de frutas produzido ainda não é conhecido, mas, segundo Campos, com base nas informações já colhidas, o faturamento mensal chega a R$ 100 mil.
A reportagem entrou em contato com a CeasaMinas para verificar se existe algum programa de rastreabilidade dos hortifrutigranjeiros, mas o responsável pelo setor não estava disponível.
A fazenda está sendo investigada na operação Canaã: a colheita final, que prendeu 13 pessoas envolvidas na seita religiosa Traduzindo o Verbo: a Verdade que Marca (antiga Jesus: a Verdade que Marca.
Dificuldade. Campos afirma que os trabalhadores não se reconhecem como “escravos” e não têm intenção de deixarem o local, por isso, não houve nenhum resgate. “Mas o fato de alguém dizer que não se importa em trabalhar sem receber não deixa de configurar a situação como análoga à escravidão”, ressalta.
O próximo passo da fiscalização é analisar os documentos para comprovar se há exploração da mão de obra. “Depois enviaremos ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público do Trabalho (MPT), que podem entrar com ações exigindo indenização dos direitos trabalhistas descumpridos. Neste caso, quem pagará são os líderes da organização, que possuem um alto patrimônio”, diz Campos.
Alguns casos
Zara Brasil: em 2011 foram encontrados trabalhadores com contratações ilegais, trabalho infantil, condições degradantes, jornadas de até 16h diárias.
Site da China: Em 2014, ao abrir a embalagem de roupas compradas em um site da China, uma moradora de Brasília achou um bilhete, em inglês: “Eu (sou) escravo. Ajude-me”.
Renner: em 2014, 37 trabalhadores bolivianos foram resgatados de uma oficina que produzia roupas para a rede. Eles viviam em condições degradantes e tinham descontos indevidos nos salários.
Nove ainda estão foragidos
Deflagrada na última terça-feira em Minas Gerais, Bahia e São Paulo, a operação Canaã: a colheita final expediu 22 mandados de prisão. De acordo com o delegado da Polícia Federal de Varginha, Alexsander Castro de Oliveira, foram oito prisões no Sul de Minas e uma em Unaí, no Noroeste do Estado, além de duas na Bahia e duas em São Paulo. Todos líderes da seita Traduzindo o verbo, a Verdade que Marca.
“Eles são acusados de estelionato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e redução de pessoas à condição análoga a escravidão. Muitos já haviam sido presos em 2015, mas foram soltos. A diferença é que, naquela época, a prisão decretada era temporária. Agora, é preventiva. Eles estão na penitenciária Nelson Hungria”, explica. Se forem condenados por todos os crimes, pegarão 42 anos de cadeia.
Ainda existem nove foragidos, entre eles, o pastor Cícero, líder da organização religiosa, investigada pela PF desde 2011, por aliciar fiéis e coloca-los para trabalhar em propriedades de líderes da seita.
A operação também resultou na interdição de 17 estabelecimentos comerciais ligados à organização, onde seguidores trabalhavam supostamente sem remuneração.
Modus operandi. Líderes atraem fiéis e prometem salvação. Eles são convencidos a vender bens, doar o dinheiro e morar em comunidades e trabalham de graça em estabelecimentos.
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