O centro do Rio de Janeiro foi tomado hoje (10) pela multidão. O Cordão da Bola Preta, o maior e mais antigo bloco da cidade, completa, em 2018, os seus 100 anos de história. Desde bem cedo, os foliões já vinham chegando para acompanhar o momento marcante. Mas foi pouco após as 10h da manhã que o presidente do bloco, Pedro Ernesto, anunciou o início do desfile, e os cinco carros de som entraram em movimento na Rua Primeiro de Março. Os organizadores esperavam 1,5 milhões de pessoas.
O cortejo teve início com um Parabéns pra você!, seguido de Cidade Maravilhosa, samba que é conhecido como um hino popular do Rio de Janeiro. Já bastante animados, foliões fiéis ao bloco ficaram ainda mais agitados ao início da terceira canção: a Marcha do Cordão da Bola Preta, composta Nelson Barbosa e Vicente Paiva e considerada o hino do bloco. Quem não chora não mama, segura meu bem a chupeta. Lugar quente é na cama ou então no Bola Preta, diz o refrão.
É o melhor e mais animado bloco do Brasil, se emocionou Cátia Guimarães, motorista de van escolar que integrava uma turma de mulheres fantasiadas de cozinheiras, em trajes nas cores do Bola Preta: preto e branco. A ideia surgiu porque é um bloco que reúne as famílias. Então, tem que ter o tempero das cozinheiras. Todos os anos nós viemos assim. Mudamos apenas detalhes e os temas do avental, disse.
Alguns deixaram as fantasias em casa e vestiam a camisa comemorativa do centenário, desenhada pelo cartunista Ziraldo. Mas uma das principais marcas do Cordão do Bola Preta é mesmo o número considerável de foliões que usam a criatividade para homenagear o bloco. Um exemplo era a turma do vendedor ambulante Thiago Santos Leal, com o corpo todo pintado de preto e com adereços de homens das cavernas. Diziam ser os Uga Uga do Catiri, vila situada no bairro de Bangu. Todos os anos, os Uga Uga estão presentes. É uma tradição já, desde os anos 1990. Vem de pai para filho. E é isso, estamos aqui para zoar e curtir o carnaval na paz, disse Thiago.
Outro grupo peculiar, da técnica de enfermagem Selma Souza Silva, participava com fantasias da personagem Minnie, com saias de bolinhas pretas. É o bloco que mais representa o Rio de Janeiro, avaliou a foliã. De fato, o desfile contava com moradores de todas regiões da cidade, mesmo as mais afastadas. A fantasia é característica do subúrbio do Rio. Trouxemos o carro do ovo, que vende 30 ovos a R$ 10 reais. A dona de casa deixa louça na pia, deixa a comida queimando, mas quando passa o carro, ela corre para pegar a promoção. Lembrando que são 30 ovos, R$ 10 reais. Dá para metade do mês, explicou o segurança privado Diego Felipe da Silva.
O grupo dele, que chamava bastante atenção e arrancava a gargalhada geral, é mais um dos fiéis ao Cordão da Bola Preta. A gente sai há mais de 10 anos. Sempre traz alguma coisa do momento, que seja característica da zona norte do Rio de Janeiro. E faz a alegria da galera. O carnaval é pra divertir e vamos esquecer um pouco dos problema que nós temos vivido devido à violência.
Em cima do carro de som, iam distribuindo acenos os famosos que acompanham o Cordão da Bola Preta. A rainha do centésimo desfile é a atriz Cris Vianna. Junto a ela, estavam a cantora Maria Rita, madrinha, e a também atriz Leandra Leal, porta-estandarte há 10 anos. O padrinho é o Neguinho da Beija-Flor.
Eu amo carnaval. Para mim, é a melhor época do ano, mais até do que o aniversário ou o réveillon. Eu emendo, de bloco em bloco. Você vê as pessoas celebrando, sonhando, se divertindo. Você vê a avó pulando junto com os filhos e os netos. Eu acredito na magia do carnaval. E estar aqui no centenário deste, que é o meu bloco desde criança, é especial. Acho que vou chorar muito, dizia Leandra Leal, antes de subir no carro.
História
O Cordão da Bola Preta foi fundado em 1918 e é o último representante remanescente dos antigos cordões carnavalescos que existiam no Rio de Janeiro, no início do século 20. O bloco atravessou os seus 100 anos trazendo uma história de resistência. Já na sua estreia, em uma época de repressão ao carnaval, autoridades policiais chegaram a tentar impedir o desfile.
A arte muitas vezes é incompreendida. Tudo o que envolve cultura enfrenta, em algum momento, dificuldades, limitações, falta de boa vontade daqueles que podem ajudar. E o Bola Preta nasceu quando o chefe de polícia do Rio de Janeiro não queria permitir a criação de novos cordões. Felizmente, os fundadores peitaram essa decisão absurda, diz o presidente Pedro Ernesto.
O Cordão da Bola Preta também sobreviveu a uma época de escassez de blocos de rua. Na década de 90, havia pouquíssimos blocos e o Bola Preta era praticamente o único que desfilava no centro do Rio de Janeiro. É difícil chegar a 100 anos. Nós chegamos. Passamos alguns momentos de muita dificuldade, mas em nenhum momento nos curvamos, lembra o presidente.
Segundo ele, a decisão de aquirir um imóvel para instalar a sede própria foi fundamental, já que muitos cordões acabaram por não dar conta de arcar com os aluguéis. O Bola Preta, porém, passou por dificuldades financeiras e sua histórica sede, na Avenida 13 de Maio, foi a leilão em 2007. Mas, há alguns anos, o bloco já tem novo endereço: Rua da Relação, na Lapa.
Outro segredo da longevidade foi o apego à tradição e o compromisso com um dos principais objetivos dos fundadores: preservar a música do carnaval. Valorizamos as marchinhas, o samba-enredo, e isso faz a nossa potência. O Bola Preta nunca se enveredou por outros ritmos, o que poderia decretar o seu final porque perderia sua identidade, acrescentou o presidente do bloco.
Edição: Maria Claudia
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