Vítima colateral da guerra da Síria, o famoso sabão de Aleppo, conhecido pelas suas propriedades hidratantes e suavizantes, encontrou refúgio nos subúrbios de Paris, onde uma empresa preserva esta tradição com a ajuda de um fabricante sírio.
A zona industrial de Santeny, ao sudeste da capital francesa, não se parece em nada com o histórico mercado de Aleppo, outrora cheio de lojas centenárias e hoje em grande parte destruído. No entanto, é lá que uma empresa fabrica o sabão de Aleppo, herança de uma tradição ancestral síria.
Os perfumes de azeite de oliva e louro invadem os corredores da fábrica desde a entrada. Dentro, montanhas de sabão vegetal terminam seu processo de secagem.
Vestido de branco, Hassan Harastani mistura um líquido verde em um enorme recipiente em ebulição. Enquanto isso, fala em árabe com Samir Constantini, médico que criou, em 2004, a empresa de cosméticos naturais Alepia.
No início, importava o famoso sabão da Síria, e depois decidiu produzi-lo. Seu projeto era montar uma fábrica de sabão na periferia de Aleppo junto com Hassan Harastani, mestre saboeiro.
Mas em 2011 teve início o conflito sírio, e quase todas as fábricas de sabão do país, que atraíam turistas do mundo inteiro, foram destruídas.
O mestre saboeiro e sua família tiveram de abandonar Aleppo, presa de mortíferos combates. Deixamos nosso país, nossas casas, nossas empresas, nossos amigos, conta.
Antes da guerra, a região de Aleppo contava com cerca de cinquenta fábricas de sabão. Hoje, só restam uma ou duas, afirma Harastani. Tinha muitos clientes na Síria, mas também no exterior – na França, Itália, Alemanha, no Golfo, Coreia do Sul, Japão, China…, lista.
Eu era uma pessoa normal, amava meu trabalho e minha família, tinha um bom relacionamento com meus clientes. (…) É a única profissão que exerci nos últimos 35 anos, acrescenta.
Voltaremos à Síria
Quando Samir Constantini lhe propôs ir à França, Harastani não hesitou nem um minuto. Depois de longos trâmites administrativos, chegou a Paris e retomou sua atividade de mestre saboeiro.
Mas o sabão de Aleppo made in France pode se chamar sabão de Aleppo?
Sim, sim, garante Samir Constantini. O nome sabão de Aleppo se refere a um método de fabricação, um segredo passado de pai para filho, disse.
Quando um grande chef francês abre um restaurante francês em Nova York, este continua sendo de cozinha francesa, e não nova-iorquina. É a mesma coisa com o sabão, é feito pelo grande mestre saboeiro Harastani, portanto é o verdadeiro sabão de Aleppo, compara.
Mistura e dosagem de ingredientes, saponificação, fundição, corte, secagem: tudo é feito de acordo com os métodos antigos, de mais de 3.000 anos.
Estou muito orgulhoso de continuar esta tradição e de fazer isso de acordo com a técnica original, diz Samir Constantini. Esta é uma habilidade que não se perde e que ainda hoje está presente, apesar dos acontecimentos na Síria.
A guerra da Síria já deixou mais de 310.000 mortos. As forças do regime de Bashar al Assad, que rodeiam os rebeldes no leste de Aleppo, estão a ponto de recuperar o controle total da cidade. Ao mesmo tempo, a ONU denuncia numerosas atrocidades cometidas contra civis.
O conflito sírio se tornou uma guerra mundial, não vai acabar logo se as grandes potências não estiverem de acordo. O mais fácil para nós é continuar fabricando este sabão, enquanto esperamos que a paz retorne, observa Samir Constantini.
Hassan Harastani diz que não é tão pessimista: Vamos voltar para a Síria, mas por enquanto, nós fazemos este sabão na França. No futuro, não sabemos. – BRASIL EM FOLHAS COM AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS – I3D 23396